Resenha da obra "Pentecostal de coração e mente" de Rick Nañez.

 



RESENHA

Neemias Raimundo

 


Nañez, Rick M. Pentecostal de coração e mente: um chamado ao dom divino do intelecto. Tradução Ana Schaffer. São Paulo: editora Vida, 2007. 431 p.

 

 

Em sua desafiadora obra, Rick Nañez reflete sobre a relação entre a fé pentecostal e o intelecto humano, incitando seus leitores a integrarem suas experiências espirituais com um entendimento robusto e crítico da fé; denuncia o descaso com o grande potencial cognitivo propiciado por Deus ao homem e a necessidade de um compromisso intelectual na vida cristã, especialmente entre os pentecostais. Ele argumenta que a adoração e a experiência espiritual não devem ser isoladas do pensamento crítico e da busca pelo conhecimento e alerta sobre como o anti-intelectualismo pode ser prejudicial para a fé, apresentando um chamado à integração do coração e da mente na caminhada com Deus. Apesar de ressaltar seus vínculos com o movimento pentecostal-carismático, Nañez se opõe à “experiência em oposição à lógica, a fé em oposição à razão e a espiritualidade contra um exercício mental rigoroso” (p. 21) e afirma seu objetivo de prevenir seus irmãos e irmãs contra convicções equivocadas a respeito do intelecto (pp. 17-21).

Os cristãos da América no século XIX observaram passivamente o renascimento evangélico, dissociaram “...razão e emoção, as gêmeas siamesas da alma” (p. 28) e evitaram o enfrentamento intelectual; o que, posteriormente, com o fundamentalismo e pentecostalismo, resultou em confusão e fragmentação. Nañez compara alma, espírito, mente e coração segundo a Bíblia e alerta para o perigo de posturas errôneas; pois “a ideia de que a mente ou a cabeça seja racional e inferior e o coração seja emocional e superior é um mito” (p. 35). Inúmeros personagens bíblicos são utilizados como exemplo do papel que suas mentes desempenharam em suas realizações e que todos eles receberam e/ou se informaram através de educação secular; ademais, “o fato de Deus escolher usar alguns servos eruditos naturalmente não significa que ele exija ou prefira acadêmicos para trabalhar em favor de seus Reino” (p. 49) - (pp.25-55).

Nañez elucida os versículos “anti-intelectuais” de Paulo, apresenta cinco lições àqueles que lutam contra o Anti-intelectualismo e refuta a ideia tão difundida de Mateus, João e Pedro como “simples, ignorantes, rudes e ‘lesados’ mentais” (p. 75). Cita Atos 4.13 e defende que eles não pertenciam ao grupo elitizado dos conhecedores das leis, mas se fizeram notáveis, não por falta de inteligência, mas por sua sabedoria; pois “haviam estado com Jesus” e com ele aprenderam. Igualmente, defende que o texto de Mateus 11.25 não remete à capacidade intelectual, mas sim “à atitude dos ouvintes, isto é, se são arrogantes ‘cheios de si mesmos’ ou sedentos no íntimo de seu coração” (p. 83); e denuncia que algumas partes da Bíblia são eleitas como favoritas em detrimento de outras (pp. 56-91).

Ao relatar o pioneirismo do movimento pentecostal sendo alvejado por críticos externos, Nañez observa que “esses homens não estão contra tudo o que cremos, mas possuem senso e equilíbrio para entender que jogar fora bebês sadios junto com a água suja do banho é autodestrutivo” (p. 9 7). Os participes do movimento, ao apresentarem ressalvas, afirmam que “é fato indiscutível que os pentecostais não são conhecidos por uma boa exegese, hermenêutica e teologia” (p. 99). Todavia, exercem “papel essencial em um renascimento religioso global e contemporâneo” (p. 99). Tendo-se em vista Charles Parham e William Seymour, que apesar de suas grandes realizações como fundadores do pentecostalismo, se caracterizaram por notáveis características anti-intelectuais “e, em graus variados, somos seus discípulos (p. 107). Aos adeptos do anti-intelectualismo, alheios às grandes mudanças ocorridas nos tempos modernos, questiona-se: “o que fizemos, então, considerando todos esses abalos? Seguimos a tendência do pragmatismo norte-americano, alegando que ‘em time que está ganhando não se mexe’?” (p.120). Segundo Nañez, com quatro décadas, o movimento progredia destacado por devoção, milagres, zelo, testemunhos oração e amor a Deus, todavia, não com totalidade de entendimento. Outrossim, Nañez não ignora Donald Gee, “um visionário’ cheio do Espírito Santo [...] zeloso, para com a presença perceptível de um Deus santo e ao mesmo tempo mantinha sua mente em chamas – uma rara combinação nas fileiras pentecostais daquela época” (p. 122). Isso posto, por influência do ministério de Gee, o anti-intelectualismo “perdeu força”, mantendo-se, todavia, de forma sutil. Considere-se o discurso apologético de Carl Brumback, de 1940, que apesar de elogiado, é criticado por seu sarcasmo. Contudo, Nañez ressalva que “aqueles, como Meyer, Brumback, Sherrill e outros que fazem declarações negativas sobre a natureza da razão podem não ser, de fato antiintelectuais em sua filosofia de fé. [...] Talvez alguns deles pudessem ter explicado melhor o que queriam dizer (p. 140) - (pp. 92-145).

Ao discorrer sobre as raízes da herança do anti-intelectualismo na contextura das convulsões políticas, religiosas, filosóficas e científicas entre os séculos XVII e XIX, Nañez afirma que “A mente norte-americana estava impregnada com as sementes do antiintelectualismo” (p. 152); e caracterizava-se por rejeição á erudição do clero, desconfiança em relação à razão, interesse na religião emocionalista, crença na força das massas, insurgência contra as autoridades, etc. “esses elementos combinados entre si deram origem a um tipo de cristianismo inconstante e distinto; tornaram-se ingredientes explosivos que, ao se misturarem, incendiaram a fúria de um inferno antiintelectual” (p. 153). O reavivamento de Cane Ridge é citado como referência na postura anti-intelectual; “O pragmatismo, o experimentalismo, o emocionalismo, o romantismo, o individualismo, e o antiintelectualismo, transformaram-se em outeiros sobre os quais as décadas e os séculos futuros se situariam.” (p. 161). Nañez apresenta quatro grandes personalidades do evangelismo popular do século XIX, discorrendo sobre suas excepcionais qualidades e a importância de suas obras, sem, contudo, ignorar os aspectos negativos de seus legados; repletos de contradições, intransigências e claro, apologia ao anti-intelectualismo (pp. 146-184).

Sobre cultura moderna, anti-intelectualismo e crenças pentecostais, Nañez observa as idiossincrasias inerentes como uma tormenta com potencial de colapsar mentes e admoesta que “os sinais estão todos à nossa volta, mas será que daremos ouvidos às advertências em tempo de impedir uma catástrofe cognitiva?” (p. 188). Outrossim, uma ampla lista de componentes culturais com capacidade de “empobrecer a mente” é apresentada com ressalvas (pp. 191-193), assim como uma sequência de doutrinas pentecostais usadas como promotoras do anti-intelectualismo (pp 196-205). Nañez vê a prática anti-intelectual como uma postura preconceituosa abalizada em mitos, como “aqueles que são leitores ávidos, mas falam dos perigos da leitura. Sentem-se justificados em seus ataques porque tudo o que leem são obras com as quais já concordam. Alguns tem educação formal, mas advertem aqueles que ‘buscam educação demais” (p. 216,217) - (pp. 185-222).

Nañez demonstra espanto ao aprofundar sua análise nos aspectos de fé, razão e lógica “o próprio conhecimento bíblico é compreendido pelo dom da razão; assim, é absurdo sugerir que fé e conhecimento, ou fé e razão, sejam hostis entre si” (p. 227). Todavia, apresenta inesgotáveis recursos argumentativos disponíveis (pp. 225-240).

A história da educação relacionada à propagação do evangelho é abordada por Nañez de forma excepcional; desde as páginas do AT e NT, dos primeiros séculos ao período da Reforma protestante, por exemplo, a fundação das grandes universidades, que “influenciaram muitos dos grandes líderes cristãos na história da América, incluindo ‘o último grande puritano’, Jonathan Edwards, que liderou o Primeiro Grande Despertamento” (p. 248). Nañez tece críticas quanto á diferença entre ensinar e doutrinar, asseverando que tais verdades se constatam também nas igrejas e cobra educação com pensamento crítico e rigor lógico. Alguns equívocos citados na labuta contra a teologia nos primórdios do movimento pentecostal são pertinentes (p. 263) e, à pergunta “porque dizer não à teologia”, Nañez apresenta uma sequência das razões motivadoras de tal conduta, assim como argumentos favoráveis ao labor teológico (pp. 265-273). Quando  Nañez discorre sobre apologética (pp. 274-289); filosofia (pp. 290-310); ciência (pp. 311-329); leitura (pp. 330-349) e uma lista de grandes mentes à frente de seus tempos no decorrer dos séculos (pp. 350-367) mostra sobeja argumentação sobre a importância de cada um desses aspectos para a formação da mente cristã (pp. 241-369).

Nañez demonstra preocupação com a crise de vida mental coletiva em que se encontra sua cultura, fraqueza de pensamento, letargia em assuntos teológicos e deficiência em enfrentar as mentiras. Declínio de padrões educacionais e um culto desviado do sentido original, pois “provavelmente nunca houve outra época em toda a história humana em que tantos cristãos tivessem tão pouca ou nenhuma influência na cultura em que vivem” (p. 376). Nañez conclui sua obra contribuindo com sugestões práticas para combinar fé e conhecimento (pp. 382-397) – (pp. 370-398).


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